Nesta aula começámos o estudo do Livro II do CIC, "Do Povo de Deus". É o livro mais extenso do Código e consta de três partes:
- Parte I - "Dos fiéis";
- Parte II – "Da Constituição Hierárquica da Igreja":
o Secção I – "Da Autoridade Suprema da Igreja";
o Secção II – "Das Igrejas Particulares e dos seus Agrupamentos".
- Parte III – "Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica", com duas secções também.
A Parte I, com cinco títulos, estrutura-se do seguinte modo:
- Título I – "Das Obrigações e Direitos de todos os Fiéis";
- Título II – "Das Obrigações e Direitos dos Fiéis Leigos";
- Título III – "Dos Ministros Sagrados ou dos Clérigos":
Capítulo I – "Da Formação dos Clérigos";
Capítulo II – "Da Adscrição ou Incardinação dos Clérigos";
Capítulo III – "Das Obrigações e Direitos dos Clérigos";
Capítulo IV – "Da Perda do Estado Clerical".
- Título IV – "Das Prelaturas Pessoais" (retiradas à última hora da Parte II);
- Título V – "Das Associações de Fiéis":
Capítulo I – "Normas Comuns";
Capítulo II – "Das Associações Públicas de Fiéis";
Capítulo III – "Das Associações Privadas de Fiéis";
Capítulo IV – "Normas Especiais sobre as Associações de Leigos".
Confronto com o CIC 17 (ou o problema do leigo como não clérigo)
O CIC 17 apresenta nesta matéria influências da bula Providentissima Mater de Bento XV, que sugeria uma visão de Igreja típica da Escola do Direito Público Eclesiástico, ou seja, a Igreja enquanto societas perfecta. Num contexto de luta contra os reformistas, a opção passava por acentuar as semelhanças do ordenamento canónico com o ordenamento civil, numa perspectiva de exercício sócio-político do poder. Com uma diferença: sociedade "perfeita", sim, mas "desigual", enquanto fundada sobre a distinção de direito divino entre clérigos (com Baptismo e Ordem) e leigos (com Baptismo), subordinando-se portanto estes aos primeiros.
O CIC 17 excluía a designação christifidelis (fiel cristão), que surgia somente no índice analítico do Cardeal Gasparri. Por conseguinte, nos cânones christifidelis equivale a "pessoa", "leigo" ou "fiel". Ora, o problema é que, na definição de pessoa, o ordenamento de 1917, ao contrário do actual Código, não era consequente com a afirmação do Baptismo como elemento fundador do ordenamento jurídico da Igreja, que investe a pessoa de todos os direitos e deveres dos cristãos, isto é, não concluía que a distinção está subordinada, em última instância, à igualdade fundamental entre todos os fiéis. Por arrastamento, os direitos e deveres dos cristãos eram os direitos e deveres dos baptizados não clérigos, conclui-se da leitura do cân. 87 do CIC 17. Assim, a referência não era o fiel positivamente considerado, mas o leigo no seu significado negativo, ou seja, de não clérigo, de súbdito. É que o legislador tomava em consideração a Ordem, baseando-se num texto atribuído por Graciano a S. Jerónimo.
A influência do Vaticano II e da Lumen Gentium
O título do Livro II é sem tirar nem pôr o mesmo do capítulo II da Lumen Gentium. O fiel cristão ou christifidelis, e já não o "possuidor" da Ordem, tornava-se no ponto de referência do ordenamento canónico. Há-de notar-se que "povo" aponta para uma socialidade externamente semelhante à do ordenamento meramente humano, mas o determinativo "de Deus" empresta-lhe uma natureza diversa, com claras conotações teológicas (analogia com o Israel do Antigo Testamento, nascido da fé em Deus e do Espírito de Deus, não da lei e das fronteiras de uma nação. Dentro desta visão, qualquer ser humano pode ser chamado a fazer parte da Igreja. A este povo atribui-se (LG9) uma dimensão ao mesmo tempo histórica (responsabilidade em tudo o que é autenticamente humano) e escatológica (realização do Reino de Deus).
O povo de Deus é constituído como tal a partir do Baptismo, que configura os baptizados a Cristo do mesmo modo e os torna idóneos para a missão confiada. A LG 32 pressupõe então uma igualdade fundamental, derivada do Baptimo, e uma desigualdade funcional, baseada na diversidade de dons e carismas.
"Fiéis cristãos" e "leigos"
É o primeiro cânone do livro, o cân. 204, que chama o christifidelis para a linha da frente, que traduz em categorias jurídicas a reviravolta operada pelo Vaticano II na auto-compreensão da Igreja.
A noção de leigo, por seu lado, está contida no cân. 207. O Par. 1 opera uma bipartição na categoria fiéis cristãos, entre clérigos e leigos. Trata-se de distinção clássica a partir da hierarquia, por Ordem e estados jurídicos. No entanto, o Par. 2 toma outro critério de distinção para a articulação dos christifidelis, no caso a vida e santidade, atendendo prioritariamente à estrutura carismática da Igreja. Tal raciocínio conduz a uma tripartição entre clérigos, leigos e consagrados, podendo estes, por sua vez, ser clérigos ou leigos. É precisamente no atender-se à estrutura carismática da Igreja e aos christifidelis como fundamento do ordenamento que reside a diferença para o CIC 17.
Intui-se aqui a dificuldade do legislador em conciliar duas concepções eclesiológicas diversas: enquanto o cân 207.1 remete para o CIC 17, os câns. 204 e 207.2 reflectem a eclesiologia do Vaticano II.
A própria LG, no que toca à descrição tipológica do leigo, entra em debate consigo própria: enquanto o nº 31 pressupõe um elemento positivo (o Baptismo) e outro negativo, o não clérigo ou não religioso, já o nº 43 exclui o não religioso, deduzindo-se que pode haver religiosos leigos. Em síntese, o cân. 207 acaba por acolher as duas definições, embora não supere as contradições – o 207.1 está para a LG 31 como o 207.2 para a LG 43. Acresce que a bipartição coloca em pé de igualdade o fiel leigo não consagrado e o fiel leigo consagrado e que o elemento positivo da noção de leigo (o Baptismo) é comum à noção de christifidelis.
O carácter secular dos leigos (ou o problema do clérigo como não leigo)
Demos um salto até ao cân. 225.2, que não traz propriamente novidade, remontando à teologia do laicado de Congar, nos anos 50, que sobrepôs à dicotomia clérigos-leigos uma outra, sacro-profano, este entendido como "única estrada possível dos leigos". A questão é a sguinte: a descoberta da categoria de christifidelis sustenta esta dicotomia? Talvez não. É que se a natureza teológica deste carácter secular advém do Baptismo, então ele não é reserva dos leigos, isto é, a Ordem não anula a missão confiada ao clérigo no Baptismo, o que equivaleria a limitar o fiel cristão ao fiel leigo. Pelo contrário, o carácter secular é constitutivo do christifidelis, não do christifidelis laici. Restaria a explicação sociológica (a definição de "leigo" pela negativa), mas ela é empobrecedora.
A secularidade não é nota específica de uma categoria de fiéis mas inscreve-se na própria essência da Igreja, vivendo-a cada um de acordo com a sua condição. O ordenamento canónico pressupõe um só estado jurídico fundamental: o christifidelis.
Ministerialidade dos leigos
Este aspecto transitou para a aula seguinte. No entanto, houve tempo para algumas achegas: o cân. 228 prescreve a atribuição aos leigos "julgados idóneos" dos ofícios que segundo o direito possam desempenhar.
Há que focar, primeiramente, a igualdade canónica entre o homem e a mulher. A condição jurídica da mulher é equiparada à do homem, excepto nas situações ligadas à Ordem e às apresentadas no cân. 230.1, que estabelece a reserva masculina dos ministérios instituídos de Leitor e Acólito. O legislador limitou-se a registar as observações do Motu Proprio Ministeria Quaedam de Paulo VI (1972).
Miguel Miranda 5º ano / 751
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