Thursday, May 17, 2007

Comentário ao canone 751

Diz-se heresia a negação pertinaz, depois de recebido o baptismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma; apostasia, o repúdio total da fé cristã; cisma, a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos.


Dicitur haeresis, pertinax, post receptum baptismum, alcuius veritatis fide divina et catholica credendae denegatio, aut de eadem pertinax dubitatio; apostasia, fidei christianae ex totó repudiatio; schisma, subiectionis Summo Pontifici aut communionis cum Ecclesiae membris eidem subditis detrectatio.


Após se ter mencionado, no cânone anterior (c. 750), o valor correspondente às verdades da fé divina e católica, nas quais se deve crer, o CIC, no c. 751, debruça-se sobre a temática da heresia, da apostasia e do cisma, através do qual demonstra a importância primordial dos dogmas de fé e da comunhão católica.
Aquando o início dos trabalhos de redacção deste código, o coetus de Magistério ecclesiatico, intentou aperfeiçoar o exposto no c. 1325 do CIC 17 não se debruçando sobre o herege, o apóstata e o cismático (como situações subjectivas) mas antes no «que é a heresia, a apostasia e o cisma, afirmando de que não se é réu delas a não ser que as cometa de má fé»
[1].
Com este objectivo norteando os trabalhos de codificação tentaram desde logo não interferir com o exposto pelo Concílio Vaticano II no concernente à Igreja Católica e às Comunidades separadas da plena comunhão com ela. Neste sentido, o texto conciliar Unitatis Redintegratio destaca um critério extremamente importante na qualificação canónica de situações com as quais nos podemos deparar hoje: «os que agora nascem em tais comunidades e são impregnados da fé de Cristo não podem ser inculpados do pecado da separação» (UR, 3).
O c. 751 apresenta-nos, assim, uma definição objectiva da heresia. Este diz-nos que ela é «a negação pertinaz, depois de recebido o baptismo, de alguma verdade que se deve crer com a fé divina e católica». O seu elemento básico é assim a negação das verdades da fé divina e católica. Mas o cânone não fica por aqui e faz ainda menção à «dúvida pertinaz» como sendo um elemento determinante para a heresia, não apenas pela desordem que esta situação mental de não adesão a Deus nem à Igreja provoca como também pelo dano social que comporta ao submeter-se a pregação, o ensinamento ou a conversação ao nível do duvidoso, o que tem valor de dogma de fé.
Embora este impulso dos codificadores tenha sido a tipificação da heresia numa perspectiva abstracta (objectiva) não deixaram de fazer referência a dois elementos subjectivos, nesta mesma definição: o facto de a negação ou dúvida de verdades de fé divina e católica ser manifestada e mantida por pessoa baptizada e o facto de esta persistir na recusa da verdade ou na dúvida tendo sendo advertida em contrário, propondo-se-lhe a correcção.
Diz-nos ainda o cânone que a apostasia é «o repúdio total da fé cristã». Entendemos aqui por repúdio o abandono total da fé cristã. Isto é, consideramos apóstata todo aquele que sendo baptizado se afasta totalmente da fé cristã. Este abandono total poderá ser verificado de dois modos: explicitamente, quando existe uma declaração formal; e implicitamente, quando através de um acto externo e notório se manifeste uma conduta essencialmente contaria à fé cristã (ex: o aplauso e a adesão pertinaz a quem ataca a Igreja ou o Papa).
Por cisma entendemos, segundo o cânone, «a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos». Dito por outras palavras, é cismático todo aquele que sendo baptizado rompe com o vínculo jurídico e a caridade que une os fiéis entre si e o Romano Pontífice.
Tendo em conta as definições dadas pelo cânone apercebemo-nos de que estas são a base das penas canónicas para todo aquele que incorre na prática destes delitos. Assim, o c. 1364 afirma que todo aquele que seja herege, apóstata ou cismático é castigado com a censura de excomunhão. Estas originam, também, o disposto nos cânones seguintes: c. 1184 § 1, 1º, a privação das exéquias; o c. 1041, a irregularidade para receberem as ordens sacras. Causando, ainda, o disposto nos cânones seguintes: c. 194, § 1, 1º, a remoção do ofício eclesiástico; c. 694 § 1, 1º, a expulsão dos membros de um instituto religioso. Porém não estão abrangidos por estas penas canónicas todo aquele que ainda não tendo completado os 16 anos tenha apostatado ou abraçado a heresia ou o cisma.


Universidad de Navarra/Instituto Martín de Azpilcueta/Facultad de Derecho Canónico – Comentario exegético al Código de Derecho Canónico. Coord. de A. Marzoa, J. Miras e R. Rodríguez-Ocaña. Pamplona: EUNSA, 1996; Vol. I.




Jorge Manuel Carneiro Ferreira, nº 726
4º ano - Mestrado Integrado em Teologia

[1] Cfr. Comm. 7 (1975), p. 150.

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